Chega!!!
Photo by Raashid Ahamed on Unsplash
Preciso falar sobre o que aconteceu no Salgueiro em São Gonçalo! Cada vez mais tem se tornado uma necessidade de cada um de nós nos engajarmos nas lutas dos que tem sido massacrados nesta sociedade, estruturalmente patriarcal, classista, cisheteronormativa, misógina e racista. Àqueles que dizem que isso é “mimimi” é hora de abrir corações e mentes para o que acontece com a população preta desde 1500.
Atuei como professora e assistente social por muitos anos nas favelas do Rio de Janeiro e convivi de perto com o extermínio do povo preto. Em todos estes anos sempre tive a convicção de que somos compelidos o tempo todo a naturalizar as violências, em especial àquelas que os negros são submetidos cotidianamente, seja simbólica, psicológica e/ou física, a ponto de, quando ouvimos qualquer relato de morte de pessoas negras, neste caso específico, em favelas, banalizamos a morte correlacionando-a alguma atividade ilegal. CHEGA!!!
Mães tendo que retirar corpos de seus filhos de dentro de um manguezal! Confesso que meu coração doeu ao ler sobre a Chacina no Salgueiro em São Gonçalo. Já precisamos pactuar aqui para esta conversa de que foi uma chacina.
Aos que odeiam os Direitos Humanos, antes que me critiquem, importa dizer que a morte de ninguém deve ser tolerada e nem qualquer forma de violência. Chega desse discurso de “cancelar CPFs”, porque ao final de tudo sabemos que, seja policial, seja população negra, o sistema estruturado sobre o racismo usa uns contra os outros para o extermínio dos que “tem menos valor”, lembrando que e os capitães-do-mato sempre estiveram presentes na história do Brasil fazendo o trabalho sujo dos Senhores.
A morte de um policial no Salgueiro, em São Gonçalo, culminou com uma operação policial que desencadeou na morte de 20 pessoas pretas, pobres. Pessoas vulnerabilizadas num ciclo de pobreza, que não podem contar, há muito tempo, com o Estado. Segundo escuta da OAB aos moradores do Salgueiro, os corpos tinham sinais de tortura. Violação atrás de violação!
A questão é tão estrutural que permeia todas as instituições sociais, escolas, igrejas, o mercado de trabalho, dentre outras. A estes, numa sucessão de ausências que culmina da ausência da vida, nada mais resta a não ser a exclusão e o assassinato.
A música “A carne”, cantada por Elza Soares e composta por Seu Jorge, lançada em 2002, já denuncia há 20 anos a violência recorrente desde 1500.
A carne mais barata do mercado é a carne negraQue fez e faz históriaSegurando esse país no braço, meu irmãoO cabra que não se sente revoltadoPorque o revólver já está engatilhadoE o vingador eleitoMas muito bem intencionado
Quantos pretos e pretas vêm em nossa mente ao ler sobre esta chacina no Salgueiro? O menino João Pedro, igualmente morador de São Gonçalo, “menino de igreja”, afastado por completo de qualquer atividade ilegal.
Até quando a negritude será associada à vagabundagem?
E os meninos de Costa Barros, fuzilados, que comemoravam a inserção no mercado de trabalho lanchando juntos? Fatos que também já aconteceram na Cidade de Deus e tantas outras histórias que nossa memória nos conduzirá.
O Instituto Fogo Cruzado mapeou em São Gonçalo, desde julho de 2016, 48 chacinas (37 delas em operações policiais), totalizando 167 mortos. CHEGA!!!
Sou uma mulher branca, heterossexual, casada com um homem negro. Este fato aparentemente simples me trouxe luz às questões raciais e todas as opressões a ela relacionadas, vivida na jornada e lutas do meu marido.
Uma opressão estrutural que só se apresentava a mim, anteriormente, no recorte de gênero (e este é um tema para outro debate), mas que invadiu meu coração e mente ao estabelecer um relacionamento afetivo com uma pessoa negra, conhecendo as histórias e lutas que, até os dias atuais, se mantém duras e necessárias para vencer o sistema que insiste em dizer “qual é o lugar dele”.
Sou mãe de um adolescente negro de 16 anos que tem que se preocupar com questões que eu nunca tive que me preocupar na idade dele, como guardar nota fiscal das compras, estar com os documentos de identificação, ser abordado gratuitamente pela policia... Me desestabiliza saber que ele está na rua à mercê dessa estrutura racista. Imagina se todos esses meus relatos estivessem somados à condição de ser morador de uma favela? Pois é, não é “mimimi”.
É doloroso ler os comentários das matérias da Chacina do Salgueiro (e de todas as outras notícias ligadas ao extermínio do povo preto) e ver o quanto que essas mortes são banalizadas, ratificadas, chanceladas pelo racismo estrutural que nos atravessa.
Nós aqui na Meta, na pessoa de suas sócias: Eunice Batista e Vânia Quintão, seja como pessoa jurídica, não podemos deixar de nos posicionar nesta, ou em qualquer outra temática, considerando não só nossa militância técnico-profissional, seja no nosso compromisso ligado aos temas de Diversidade & Inclusão.
É hora de somarmos nossas vozes e gritarmos juntos: Chega!!!
Referência Bibiográfica
https://www.brasildefatorj.com.br/2021/11/23/no-salgueiro-tem-maes-enterrando-seus-filhos-mortos-como-animais-e-jogados-no-mangue
https://fogocruzado.org.br/chacina-no-salgueiro-2021/
https://www.metropoles.com/brasil/oab-cita-relatos-de-moradores-sobre-sinais-de-tortura-em-corpos-no-rj
https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2021/11/22/corpos-sao-goncalo.ghtml
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-59382177
Por: Vânia Quintão
Sócia da Meta Assessoria
Assistente social, professora,
mestranda em Política Social na UFF.
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